Pelo Pe. Carlos Walker, Superior Geral do IVE

Há alguns dias atrás eu tive a graça de visitar, acompanhado do Pe. Emanuel Martelli, nossa missão em Ushetu (Tanzânia), onde desde 2010 trabalham nossos padres e desde 2009 se encontram as Irmãs Servidoras. Sempre lemos com muita atenção e não menos com gosto o narrado pelas notícias que frequentemente chegam desta missão, mas ler sobre uma missão não é o mesmo que estar nela e constatar o narrado de forma pessoal.

 internar30Anos

A missão em Ushetu é uma realidade altamente atraente para quem afirma ter vocação realmente missionária. Lá se encontra em abundância o melhor que alguém poderia ter sonhado para o ministério pastoral: uma enorme quantidade de almas ostensivamente sedentas de Deus. A paróquia conta com cerca de 100 mil pessoas, das quais 60 mil são católicas, sendo a imensa maioria jovens e crianças (as famílias na Tanzânia normalmente têm entre 7 e 15 filhos).

No entanto, os números não dizem tudo sobre esta missão. Como eu disse, o que mais atrai a este lugar tão especial é a abertura e o entusiasmo com que as pessoas recebem as coisas de Deus. As pessoas de Ushetu caracterizam-se pela constante alegria, pela laboriosidade (para onde se fixa o olhar veem-se campos cultivados), pela generosidade (dão com alegria, mesmo sendo pobres), pelo talento e gosto pela música, etc. Mas o que mais chama a atenção deste povo é a sua fé e a receptividade para com os missionários.

É custoso deixar um lugar onde as pessoas, ao ouvirem que tinham que esperar um pouco para a celebração da Missa (que acabou sendo uma hora de espera), já que o padre estava ouvindo confissões, responderam com uma verdadeira explosão de alegria que fazia lembrar a comemoração de um gol, pois souberam que teriam a possibilidade de se confessarem. É difícil esquecer esse povo que prefere confessar-se de joelhos no chão, sendo possível sentar-se confortavelmente numa cadeira, e ainda mais quando os que fazem isso são as mulheres grávidas, cegos ou pessoas idosas. Pessoas que tiravam os sapatos ao se aproximarem do local da confissão, em reverência ao sacramento. Assombra vê-los ensaiar o coral por muitas horas contínuas, inclusive à luz da lua, para poder cantar melhor na Missa do dia seguinte. Curiosamente, cantavam um hino que dizia: “Quão formosos sobre os montes são os pés do que anuncia as boas-novas, que proclama a paz, que anuncia coisas boas, que proclama a salvação, que diz a Sião: O teu Deus reina!” (Is 52,7). Mais impressionante ainda é ouvir dizer e repetir enfaticamente: “Por favor, voltem, rezem conosco na língua que vocês sabem, mas rezem conosco…”.

Não é muito surpreendente, então, que durante o curso do século XX, o número de católicos na África aumentou de 1,9 a 130 milhões, o que equivale a um crescimento de 6.708 por cento. E a tendência de crescimento não diminui, mas segue aumentando, seja pelo número de nascimentos como pelo de conversões.

Nossos padres em Ushetu, assim como as Servidoras, estão fazendo um trabalho verdadeiramente fantástico. Corresponderia escrever outra circular sobre o trabalho de nossos missionários, mas para isso vou me remeter às crônicas e às fotos que podem ser encontradas no blog da missão.

Ao se aproximar a data dos primeiros 30 anos da fundação do Instituto, com esse fundo da missão em Ushetu, me vem à mente muitos pensamentos, essencialmente de profunda gratidão, e, portanto, de humildade, de esperança e confiança nos caminhos inescrutáveis da Providência. Pela graça de Deus e a resposta generosa de nossos missionários, ao longo destes 30 anos, o Instituto tem desenvolvido e expandido de uma forma que seria inimaginável nos inícios.

É Deus quem nos levou a Ushetu, esse lugar tão especial. E também nos levou para outros lugares que, como Ushetu, revestem alguma dificuldade particular. Estando na África, eu realmente não podia não pensar em algumas missões a nós confiadas, como Vanimo (Papua Nova Guiné), Santa Rosa e Caridade (Guiana), a faixa de Gaza e Beit Jala (Palestina), Alepo (Síria), Bagdá (Iraque), Rei Mariut, Fayoum e Alexandria (Egito), Anjara (Jordânia), Kalmet (Albânia), Skadosk (Ucrânia), Groelândia (Dinamarca), Reykjavik (Islândia), Omsk e Khabarovsk (Sibéria, Rússia), Dushanbe (Tadjiquistão), Shymkent (Cazaquistão), Bagong Barrio (Filipinas), Chiquitos e Oruro (Bolívia), Cotahuasi, Chuquibamba e Cabanaconde (Peru), El Guasmo e El Gualel (Equador), Vila Guacuri (Brasil), La Platina (Chile), Los Juries (Argentina), Ciudad del Este (Paraguai), e muitas outras. Também pensei em outras missões em que trabalhamos e cujas dificuldades são talvez menos palpáveis à primeira vista, mas que não por serem mais sutis são menos reais, nelas se deve realizar o trabalho da nova evangelização, com todos os desafios que isso implica.

Um dos aspectos mais atraentes da Igreja é o seu caráter missionário. Por sua mesma natureza, a Igreja é missionária (cf. Ad Gentes 2), o que está estreitamente relacionado com seu caráter católico e apostólico.

Mas o fato de que a missão seja sempre tão atraente não significa que ao mesmo tempo não comporte sacrifícios. Pelo contrário, a missão é um testemunho, um verdadeiro martírio incruento, com a possibilidade, às vezes muito real, de que se transforme em um martírio sangrento. As figuras dos mártires, sobretudo a partir do século XX, falam por si só neste sentido.

É por isso que nós temos o dever de lembrar e reconhecer aqueles que anunciaram o Evangelho, bem como aqueles que o fazem neste momento, como nos adverte a Escritura: Lembrai-vos de vossos guias que vos pregaram a palavra de Deus. Considerai como souberam encerrar a carreira. E imitai-lhes a fé. (Hb 13, 7). Nunca devemos esquecer que somos tributários da missão apostólica da Igreja, da pregação e do testemunho de tantos dos seus filhos mais queridos.

Por tudo isso, vai aqui o nosso mais sincero respeito, gratidão sincera e profunda admiração a todos os nossos queridos missionários que, de uma forma ou de outra, concretizaram em sua vida aquilo que indicava o Pe. Jerónimo Nadal, em relação aos homens sua Ordem:

“Deve-se notar que na Companhia (os Jesuítas) existem diferentes tipos de casas e moradias. São elas: a casa da provação, a escola, a casa dos professos, e a viagem – e por esta última o mundo inteiro vem a ser (nossa) casa”[1].

Muitas vezes temos o prazer de ouvir de nossos missionários: “Estou disposto para ir onde for necessário”. E quando falta missionários para um lugar difícil, pela graça de Deus, nunca falta quem se ofereça. Pelo contrário, de acordo com a nossa espiritualidade e procurando imitar as virtudes mortificantes de Cristo na Encarnação (cf. Const. 11), para a nossa edificação, não faz falta esperar para que os oferecimentos cheguem desde os quatro pontos cardeais. O mundo inteiro, em que se há de pregar o Evangelho, torna-se efetivamente deste modo a casa de nossos missionários. São Luís Maria, em sua súplica ardente pedia exatamente a mesma coisa: Livres: sacerdotes livres com a sua liberdade, desapegados de tudo… sem bens, sem deixar ou preocupações, e até sem vontade própria… Livres: homens sempre disponíveis…  sempre prontos para correr e sofrer tudo contigo e por tua causa, como os apóstolos: ‘Vamos também nós a morrer com Ele…’”.

Ao celebrarmos estes primeiros 30 anos de nosso pequeno Instituto, não posso deixar de fazer minhas as palavras do Beato Paolo Manna, referindo-se aos membros do PIME:

“Eu admiro, amo, venero este nosso Instituto já que mais que um Instituto de missionários, é um Instituto de lançados ao martírio, não o martírio de sangue, que se acaba com uma morte precoce e gloriosa, mas muitas vezes um martírio prolongado, escondido, doloroso, que mina lentamente – e nem sempre tão lentamente! – as existências preciosas, generosas de tantos de seus membros”[2].

Em 25 de Março, vamos participar de uma ação de graças que, com “um só coração e uma só alma” (At 4, 32), elevaremos até o céu desde os quatro pontos cardeais!

Confiamos de um modo especial à Mãe do Verbo Encarnado, sob o título da Virgem de Luján, e ao Beato João Paulo II, que será canonizado em breve, a todos os nossos missionários, nossas obras e projetos. E que Deus nos dê toda a graça de estar a altura de nosso chamado.

 No Verbo Encarnado e sua Mãe Santíssima,

Carlos P. Walker, IVESuperior Geral


[1] John O’Malley, S.J., “To Travel to Any Part of the World: Jerónimo Nadal and the Jesuit Vocation”, Studies in the Spirituality of Jesuits 16, n. 2 (Marzo, 1984), 6 (ênfase nossa).

[2] Paolo Manna, Virtù apostoliche, p. 228.