Consagração Mediante Votos

A vida religiosa, pela qual nos entregamos totalmente ao serviço de Deus, no qual está a perfeição do homem, consiste principalmente no cumprimento dos três votos: castidade, pobreza e obediência, impulsionados pela caridade.

A profissão dos votos:

Em primeiro lugar, extrai da graça batismal seu fruto mais copioso, libera-se assim dos impedimentos que poderiam apartá-lo do ardor da caridade e da perfeição do culto divino, consagrando-se mais intimamente ao serviço de Deus[1]. A consagração com os três votos fixa suas raízes na consagração batismal, da qual é a expressão mais perfeita, pois quem assim se entrega a Deus leva a sua máxima perfeição as exigências batismais: com Ele fomos sepultados pelo batismo para participar de sua morte… (Rm 6,4).

Em segundo lugar, equivale em certo modo ao martírio, posto que o religioso possui a mesma vontade que o mártir; ambos aceitam sua morte a este mundo para unir-se plenamente a Cristo e formar parte de seu reino: “mesmo que falte ocasião de perseguição, entretanto a paz tem seu martírio: porque embora não submetamos a carne com o ferro, destroçamos os desejos carnais da alma com a espada espiritual[2]”.

Em terceiro lugar, a profissão religiosa constitui um verdadeiro holocausto de si mesmo, já que em virtude dos votos se entrega a Deus todo o próprio, sem reservar-se nada: pelo voto de castidade, o bem próprio do corpo; pelo voto de pobreza, as coisas exteriores; e os bens da alma pelo voto de obediência[3].

Em quarto lugar, a profissão religiosa é uma verdadeira consagração, pela qual o religioso é algo sagrado, destinado ao culto divino, propriedade de Deus.

Consagracao mediante votos

Com a profissão dos votos nos esforçamos por desenraizar de nós as três concupiscências, incompatíveis com a caridade do Pai: concupiscência da carne (desordem no comer, no beber, nos bens sensíveis), concupiscência dos olhos (afã de ver tudo, de possuí-lo), soberba da vida (desordem nas honras, ostentação, jactância, auto-suficiência)[4], que respondem exatamente àquelas tentações com as que o demônio pretendeu seduzir a Nosso Senhor: Ordena que estas pedras se convertam em pães…(Mt 4,3), ou seja, gula;  jogue-te daqui para baixo (Mt 4,6), quer dizer, fazer as coisas por ostentação; e tudo isto te darei se me adoras (Mt 4,9), ou seja, soberba. Nestas três tentações “acha-se a matéria de todos os pecados, porque as causas das tentações são as mesmas da cobiça: o deleite da carne, a esperança da glória e a ambição do poder”[5]. É a mesma armadilha que usou o pai da mentira com Adão e Eva, tentando-os a comer do fruto proibido, porque era bom ao gosto, agradável à vista e apto para alcançar sabedoria (Gn 3,6).

Por isso, o mesmo Cristo dá três armas contra estas insídias, armas às quais se pode reduzir cada um dos votos nos que consiste essencialmente o estado religioso. Assim, à pobreza se corresponde o mandato da esmola[6], em que se contém tudo o que se faz por amor ao próximo, desprezando as riquezas e a ambição; à castidade, o jejum[7], no qual se condensa tudo aquilo que alguém faz para refrear-se a si mesmo em suas concupiscências; e à obediência, a oração, pela qual “o religioso se submete a Deus e manifesta ao orar que necessita Dele como Autor de todos os bens”[8], e aqui se contém o que se faz para dar reto culto a Deus, pelo qual o voto de obediência, nascido deste culto a Deus, constitui essencialmente o estado religioso.


[1] Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium, 1964, 44.
[2] São Gregório Magno, In Evang., L. 1, Hom. 3: ML 76,1089.
[3] Cf. São Tomás de Aquino, S. Th., II-II, 186, 7.
[4] Cf. 1 Jo 2,16.
[5] Santo Ambrósio, Tratado sobre o Evangelho de São Lucas, L. IV, nº 35.
[6] Cf. Mt 6,1-4.
[7] Cf. Mt 6,16-18.
[8] Cf. Mt 6,5-13.