Em que está a dignidade do homem

A grandeza do homem consiste, precisamente, em ser imagem de Deus e “a razão mais alta da dignidade humana consiste na vocação do homem à união com Deus. Desde seu mesmo nascimento, o homem é convidado ao diálogo com Deus. Existe pura e simplesmente pelo amor de Deus, que o criou, e pelo amor de Deus, que o conserva. E só se pode dizer que vive na plenitude da verdade quando reconhece livremente esse amor e se confia por inteiro a seu Criador” [1]. Acertava Kirkegaard quando dizia que o homem é um animal com sede de Deus.

A perda da dignidade

O pecado sempre implica um detrimento, um prejuízo na pessoa que o executa: “o pecado não fere (non nocet) senão à pessoa que o comete”, escreve Tomás de Aquino [2]. Este decair do que é [3], este detrimento ou vir a menos, envolve um detrimento da ordem racional, e suporta a perda da dignidade humana: “o homem –diz Santo Tomás– ao pecar cai da ordem racional e portanto decai (decidit) da dignidade humana, enquanto que o homem que é naturalmente livre e independente, precipita-se na escravidão dos animais…” [4]. Tanto a liberdade quanto a dignidade humana têm seu fundamento e raiz na racionalidade. De algum modo (não só metafórico) o pecado é uma queda desta prerrogativa do homem. E mais, o verbo utilizado pelo Aquinate, recedere, é o mesmo utilizado para significar o ato de depor as armas (recedere ab armis), ou “tirar a toalha”, como diriam os entendidos do boxe; o pecador sempre é um vencido, um derrotado.

A dignidade da pessoa humana

Jesus Cristo e a dignidade do homem

Há um texto muito formoso do Concílio Vaticano II que o Papa João Paulo II sempre citava: “O mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo Encarnado… Cristo… manifesta plenamente o homem ao próprio homem” [5]. Por que? Porque Cristo, segue dizendo o Concílio, é o “homem perfeito, que devolveu à descendência de Adão a semelhança divina, deformada pelo primeiro pecado. Nele a natureza humana assumida, não absorvida, foi elevada também em nós a dignidade sem igual” [6]. Cristo é o Homem Novo por excelência (ou kainos ánthropos: Ef 2,15).

Oração

A restituição da imagem

Por Jesus Cristo o homem recupera a dignidade perdida. Mas, através de que meio Jesus Cristo o reintegra em sua antiga dignidade? Pela penitência, diziam os antigos Padres da Igreja e o repetiram os grandes teólogos; a Penitência Sacramental (a confissão) e a penitência ascética (o sofrimento, o arrependimento e a mudança de vida). Por que? Porque a penitência restitui ao homem, junto com a graça, todas as virtudes [7] e não é só isso, mas também pode voltá-lo, em certo modo, à sua primitiva honra ou dignidade. Assim diz Santo Tomás: “O homem perde pelo pecado… uma dupla dignidade a respeito de Deus. Uma principal, que é aquela pela que é contado entre os filhos de Deus pela graça. E esta dignidade a recupera pela penitência. O qual é o significado na parábola do filho pródigo, quando o pai fez dar ao filho, depois de sua penitência, a roupa melhor, um anel e o calçado (Lc 15,22). Mas perde também outra dignidade secundária, que é a inocência… E esta dignidade o penitente não pode recuperá-la. Embora às vezes recupera algo maior. Porque diz São Gregório Magno que ‘os que consideram haver-se afastado de Deus, tratam de recompensar os danos anteriores com os lucros seguintes… Pois também o general ama mais no combate ao soldado que tendo fugido volta outra vez e combate com coragem ao inimigo, que ao soldado que nunca fugiu mas jamais combateu com valor” [8].

A todos nós se podem dirigir aquelas palavras de São Leão Magno: “Cristão, reconheças tua dignidade. Posto que agora participas da natureza divina, não te degeneres voltando para a baixeza de sua vida passada. Recorda a que Cabeça pertences e de que Corpo és membro. Lembre-te de que fostes arrancado do poder das trevas para ser transladado para a luz do Reino de Deus” [9].

Pela misericórdia de Deus o homem sempre pode levantar-se e aspirar a grandezas que antes nem sequer suspeitava.


[1] Gaudium et spes, 19.
[2] Santo Tomás, Suma Teológica, III,19,4 ad 1.
[3] Santo Tomás, In Boethio De Trinitate, L.2, q.5, ad 7.
[4] Santo Tomás, Suma Teológica, II-II,64,2 ad 3.
[5] Gaudium et spes, 22.
[6] Ibidem.
[7] Santo Tomás, Suma Teológica, III, 89, 1.
[8] Ibidem., a.3.
[9] São Leão Magno, Sermones, 21,2-3; PL 54, 192A.