O que a Igreja ensina verdadeiramente sobre o Inferno? Teve alguma alteração com relação ao ensinamento deste tema?

Estimado:

Com a palavra inferno (em hebreu sheol, em grego ades, em latim infernus) designa-se o lugar onde as almas culpadas são castigadas na outra vida. Com respeito ao mesmo, o ensinamento da Igreja Católica se manteve sempre unânime em que “existe e a ele vão imediatamente as almas dos que morrem em pecado mortal”.

Dividirei minha resposta em dois pontos: a existência do inferno e a natureza do mesmo.

1. O inferno existe ou não existe?

A existência do inferno é uma verdade de fé que consta expressamente na Sagrada Escritura e foi expressamente definida pela Igreja com seu magistério infalível.

A Sagrada Escritura se refere ao inferno com diversos nomes: abismo (Ap 9,11), fornalha ardente (Mt 13,42), fogo eterno (Mt 18,8), lago de fogo e enxofre (Ap 19,20), trevas (Mt 8,12), lugar de tormento (Lc 16,28), perdição, destruição (Mt 7,13), tártaro (2Pe 2,4), fogo inextinguível (Mc 9,43), etc.

Também fala dele explicitamente como lugar dos condenados. Por exemplo: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos… E irão estes para o castigo eterno enquanto os justos irão para a vida eterna (Mt 25,41.46); Assim será no fim do mundo: virão os anjos e separarão os maus dos justos e os lançarão na fornalha ardente. Ali haverá choro e ranger de dentes. (Mt 13, 49-50); etc.

O Magistério definiu-o expressamente, por exemplo, no Símbolo Atanasiano (composto entre os anos 450 e 500): “E os que obraram… mau (irão) ao fogo eterno”; e acrescenta: “esta é a fé católica: todo aquele que não a acredita fiel e firmemente, não poderá salvar-se”[1]. Inocêncio III escreveu: “A pena do pecado… atual é o tormento da geena eterna”[2]. E com toda força se lê em Bento XII: “Definimos, além disso, que, segundo a comum ordenação de Deus, as almas dos que morrem em atual pecado mortal, imediatamente depois de sua morte descendem ao inferno, onde são atormentadas com as penas infernais”[3].

Embora não passe de caráter ilustrativo, vale a pena mencionar que a maioria das religiões e dos filósofos pagãos acreditaram e ensinaram, da mais remota antigüidade, a existência do inferno[4]. O motivo pelo qual vem postulado pela razão é a santidade e justiça de Deus que não pode admitir o fato de que fiquem impunes os grandes pecados e crimes que nesta vida a justiça não castiga. Por isso dizia um poeta (De Lille):

Los que volcáis, haciendo a Dios la guerra
las aras de las leyes eternales,
¡temblad! ¡Sois inmortales!
Los que gemís desdichas pasajeras,
que vela Dios con ojos paternales,
peregrinos de un día a otras riberas,
¡calmad vuestro dolor! ¡Sois inmortales!

Vós que tombais, fazendo a Deus a guerra,
os altares das leis eternais,
tremei! Sois imortais!
Vós que gemeis desditas passageiras,
que vela Deus com olhos paternais,
peregrinos de um dia a outras ribeiras,
acalmai vossa dor! Sois imortais!

2. E em que consiste o inferno?

Jesus Cristo explicou magnificamente o que é o inferno ao pronunciar a frase que escutarão os condenados no dia do Juízo: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos (Mt 25,41). O inferno consiste, pois: no afastamento definitivo de Deus (apartai-vos) e nas penas sensíveis (para o fogo); e isto para sempre (eterno), em companhia dos demônios e dos outros condenados (o diabo e seus anjos). Pode-se sintetizar em duas coisas: a pena de dano e a pena de sentido.

1º A pena de dano

A pena de dano consiste na privação eterna da visão de Deus e de todos os bens que dela se seguem. Esta é uma verdade de fé. Ensina o Catecismo que o inferno é o “estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados”; e também que “a pena principal do inferno consiste na separação eterna de Deus, o Único em quem o homem pode ter a vida e a felicidade para as quais foi criado e às quais aspira”[5].

Portanto, o inferno se caracteriza por ser um estado de auto-exclusão, quer dizer, que é o mesmo homem que se condena, quem toma a decisão de condenar-se. Essa decisão está contida na determinação de pecar e de não arrepender-se de seu pecado. Como escreveu um autor: o inferno tem uma porta que se fecha por dentro.

Deve-se dizer que a pena de dano, no que tem de essencial, constitui para o condenado a maior e mais terrível de suas penas. Isto é o que quer dizer Santo Agostinho quando escrevia: “A pena de dano é tão grande como o mesmo Deus”. E ele mesmo diz: “Perecer para o reino de Deus, exilar-se da cidade de Deus, alienar-se da vida de Deus, necessitar da imensa doçura de Deus…, é uma pena tão grande que não pode haver tormento algum entre os conhecidos que possa ser comparado a este”[6]. São João Crisóstomo escreve estas singulares palavras: “Há muitos homens que, julgando absurdamente, desejam acima de tudo evitar o fogo do inferno; mas eu acredito que incomparavelmente maior que a do fogo será a pena de haver perdido para sempre aquela glória (o céu); nem acredito que sejam mais dignos de choro os tormentos do inferno que a perda do reino dos céus; porque este tormento é o mais angustioso de todos”[7].

Junto com esta privação de Deus, a pena de dano consiste, de modo secundário, na privação de todos os bens que se seguem da visão beatífica, quer dizer:

a) a exclusão do céu, ou seja, da verdadeira pátria das almas; os condenados são uns exilados eternos de sua verdadeira pátria;

b) a exclusão da companhia de Jesus e da Virgem Maria, dos anjos, santos e bem-aventurados do céu;

c) a privação da luz com a que os bem-aventurados contemplam a formosura de todas as coisas naturais e sobrenaturais;

d) a perda eterna de todos os bens sobrenaturais: a graça, as virtudes, os dons do Espírito Santo, etc.;

e) a privação da glória do corpo e dos atributos que usufruem os corpos gloriosos.

2º A pena de sentido

Junto com a pena de dano os condenados sofrem a pena de sentido. Esta pena atormenta desde já os condenados e atormentará seus mesmos corpos depois da ressurreição universal. Esta é uma verdade de fé expressamente definida.

Já vimos as expressões que a respeito se contêm na Escritura: pranto, ranger de dentes, fogo, lágrimas, lamentos, etc.

Estas penas poderão ser, como alguns querem, de caráter misterioso para nós. Mas não se pode negar sem cair no erro a existência e dureza incomparável das mesmas.

3º para sempre…

E tudo isto para sempre. O inferno é eterno; talvez esta seja a verdade mais impressionante que se possa dizer sobre ele; e é uma verdade de fé. Já disse Jesus Cristo: fogo eterno (Mt 25,41). Também citei já alguns textos do Magistério.

O grande poeta e teólogo que foi Dante Alighieri disse que sobre a porta do inferno há uma inscrição com estas palavras:

Per me si va ne la città dolente,
per me si va ne l’etterno dolore,
per me si va tra la perduta gente.
Giustizia mosse il mio alto fattore:
fecemi la divina podestate,
la somma sapienza e ‘l primo amore.
Dinanzi a me non fuor cosa create
se non etterne, e io etterno duro.
Lasciate ogne speranza, voi ch’intrare.

Traduzidas querem dizer:

Por mim se vai à cidade dolente,
por mim se vai à eterna dor,
por mim se vai atrás da perdida gente.
Justiça moveu a meu Alto Fazedor:
me fez o divino Poder,
a suma Sabedoria e o primeiro Amor.
antes de mim não houve substância criada
senão eterna, e eu eternamente duro.
Vós que entrais, deixai toda esperança.

E isto é assim porque não há possibilidade teológica de um fim para as penas do inferno. Com efeito, os tormentos do condenado só poderiam terminar se este reparasse seus pecados e se reabilitasse, ou se Deus o perdoasse sem que se arrependesse, ou se Deus o aniquilasse. Nenhuma das três coisas é possível.

a) O arrependimento do condenado é impossível. Não há arrependimento sem uma graça de Deus que o produza, e com a morte em pecado, o pecador já perdeu toda graça. Por isso a Igreja condenou como herética a doutrina que expôs a hipótese deste arrependimento “post mortem”[8]. O condenado está obstinado em seu pecado.

b) Deus não pode perdoar o condenado sem que este se arrependa, porque isto contradiz sua Justiça (a quem corresponde castigar o delito com penas proporcionadas; e só a pena infinita pode ser proporcionada a um delito contra a Magestade infinita), sua Sabedoria (que faz com que seus decretos eternos se cumpram sem mudança nem modificação alguma) e seu Amor (pois Deus não castigaria tão terrivelmente ao pecador se não o houvesse amado tanto; se não houvesse cometido a loucura de morrer por ele na cruz).

c) Deus não pode aniquilar o condenado, porque esta hipótese também contradiz sua sabedoria e sua justiça.

O inferno eterno, embora nos surpreenda, é a manifestação mais clara do respeito que Deus tem por nossa liberdade. Ao que escolheu o inferno com seu pecado, e voltou a escolhê-lo com sua obstinação no pecado (apesar de tantas graças divinas que recebeu durante a vida), Deus não pode lhe dar outra coisa que o que ele pediu.

3. Ser responsáveis

Diz o Catecismo: “As afirmações da Sagrada Escritura e os ensinamentos da Igreja acerca do inferno são um chamado à responsabilidade com a qual o homem deve usar de sua liberdade em vista de seu destino eterno. Constituem também um apelo insistente à conversão: ‘Entrai pela porta estreita, porque largo e espaçoso é o caminho que conduz à perdição. E muitos são os que entram por ele. Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à vida. E poucos são os que o encontram’ (Mt 7,13-14). Como desconhecemos o dia e a hora, conforme a advertência do Senhor, vigiemos constantemente para que, terminado o único curso de nossa vida terrena, possamos entrar com ele para as bodas e mereçamos sermos contados entre os benditos, e não sejamos, como servos maus e preguiçosos, obrigados a ir para o fogo eterno, para as trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes”[9].


[1] Denzinger-Hüneremann, n. 76.
[2] Ibid., n. 780.
[3] Ibid., n. 1002; se pode ver também o que diz o Catecismo da Igreja Católica, n. 1033-1037.
[4] Cf. a respeito: Paul Bernard, Enfer, no Dictionaire de Apologétique, t. I, col. 1379-1381.
[5] Catecismo da Igreja Católica, nn. 1033-1037.
[6] Santo Agostinho, Enchiridion, c. 112; ML 40, 285.
[7] São João Crisóstomo, A Teodoro caído, 1. 12; MG 47, 292.
[8] Cf. Concílio de Constantinopla, ano 543, Denzinger-Hüneremann, n. 411.
[9] Catecismo da Igreja Católica, n. 1036.

Fonte: FUENTES, Pe Miguel Ángel, O Teólogo Responde. Nova Iorque: IVE Press, 2010. Vol. 1, p. 197-203.