O voto de Obediência

(Constituições 72-81)

Seguindo o exemplo do Verbo Encarnado, os membros do Instituto se entregam a Deus totalmente pelo voto de obediência, mediante o qual o religioso faz dom de sua vontade.

Aprendeu por seus padecimentos o que é a obediência (Hb 5,8). “Diz aprendeu o que é a obediência, isto é, quão grave é obedecer, porque Ele mesmo obedeceu nas coisas mais graves e mais difíceis: até a morte de cruz1 . E assim mostra quão difícil é o bem da obediência. Porque os que não são vigilantes na obediência, e não a aprenderam nas coisas mais difíceis, acreditam que obedecer é muito fácil. Mas para que saibas o que é a obediência, é necessário que aprenda a obedecer nas coisas mais difíceis, e o que não aprende obedecer estando submetido, jamais saberá mandar bem quando dever mandar”2 . Por isso, obedeças ao que obedece e será bom o que mandes.

Com o voto de obediência se obriga a submeter a própria vontade aos Superiores legítimos, que fazem as vezes de Deus quando mandam algo segundo as Constituições3 .

Compromete-se o religioso a obedecer em todo o referente à vida religiosa e apostólica ao Superior, imitando nisto a Jesus Cristo, feito obediente até a morte e morte de cruz (Fl 2,8). Desta maneira o religioso se faz dócil ao Espírito Santo e tem constantemente a alma pronta para tudo o que Deus disponha: Suplicamo-vos, irmãos, que reconheçais aqueles que arduamente trabalham entre vós para dirigir-vos no Senhor e vos admoestar. Tende para com eles singular amor, em vista do cargo que exercem. (1 Tes 5,12-13).

No Superior, o religioso deve ver a quem faz as vezes de Jesus Cristo, como nos ensina: Sede submissos e obedecei aos que vos guiam (pois eles velam por vossas almas e delas devem dar conta). Assim, eles o farão com alegria, e não a gemer, que isto vos seria funesto. (Heb 13,17). Tal obediência é o elemento essencial da vida religiosa, já que o estado religioso é uma aprendizagem e exercício para alcançar a perfeição, e nesta aprendizagem se requer a submissão à direção de outro. 

Este voto oferece a Deus o bem mais excelente, que é a própria vontade, contém aos outros votos, que se realizam por obediência, e se refere propriamente aos atos mais relacionados com o fim da vida religiosa, posto que ninguém é religioso sem este voto, embora tenha feito os outros4 .

Alguns, desgraçadamente, movidos por espírito próprio, carnal ou mundano, não obedecem bem: “Não poucos vivem sob obediência mais por necessidade que por caridade; estes tais se sentem habitualmente afligidos e com facilidade se entregam à murmuração. E é evidente que não conseguirão a liberdade de espírito, a menos que se submetam de todo coração, por amor a Deus”5 . E ao subtrair-se da obediência se subtraem da graça: “quem trata de subtrair-se ao jugo da obediência se subtrai pelo mesmo à ordem da graça; e o que deseja ter um bem individual mal consegue o coletivo. 

O que não se sujeita com gosto e espontaneamente à autoridade demonstra que tampouco sua carne lhe obedece perfeitamente, senão que muitas vezes se mostra recalcitrante e murmura. Aprende, pois, a submeter-te com presteza a seu superior, se queres sujeitar tua própria carne”6 . Não devemos nos esquecer nunca que “a obediência é o aroma do sacrifício… Embora verdadeiramente os Superiores fossem por si mesmos ineptos para a altura de seu cargo; defeituosos – dito seja unicamente para fazer-me compreender – e até repugnantes; adquirir-se-ia um mérito maior, estar-se-ia mais seguros de obedecer a Deus ao obedecer-lhes. Porque os defeitos dos Superiores fazem imensamente mais meritória e grata a Deus a obediência: pois não se devem absolutamente ter em conta as qualidades humanas ao obedecer, nem se a ordem é racional, mas sim que a obediência é racional. Se pusermos como base de nossa submissão a racionalidade do ordenado se destrói a mesma obediência. Nós devemos nos aniquilar aos pés da Igreja e dos Superiores e obedecer por amor a Cristo e ser como trapos… que ninguém jamais nos supere em obediência filial, em obsequiosidade e amor ao Papa e aos Bispos, a quem o Espírito Santo colocou para governar a Igreja de Deus”7 .

O mesmo ensina São João da Cruz: “Jamais olhes ao prelado considerando-o menos que a Deus, seja o prelado que for, tenha-o em seu lugar. E adverte que aqui o demônio coloca muito a mão. Olhando assim ao prelado é grande o lucro e o aproveitamento, e sem isto é grande a perda e o dano. E assim, com grande vigilância, velai para que não os olheis em sua condição, nem em seu modo, nem em seu aspecto, nem suas outras maneiras de proceder; porque te fará tanto dano, que trocarás a obediência de divina para humana. Assim acabarás movendo-te ou não apenas pelos modos visíveis no prelado, e não pelo Deus invisível, a quem serves nele… se isto não fazes com força, de maneira tal que não se te de por prelado mais a um que a outro, pelo que a teu particular sentimento toca, de nenhuma maneira poderás ser espiritual nem guardar bem seus votos”8 .

Se fôssemos religiosos verdadeiramente obedientes, se cumpriria o que diz São João Bosco: “Se cumprirem a obediência do modo indicado lhes posso assegurar, em nome do Senhor, que passareis na congregação uma vida tranquila e feliz. Mas ao mesmo tempo devo lhes advertir que desde dia em que, deixando de lado a obediência obreis apenas segundo vossos caprichos, começareis a sentir-vos pesarosos de vosso estado. Se nas várias congregações religiosas se acham descontentes e até há alguns para quem a vida comunitária é de grande peso, observe-se com atenção, e se verá que isto provém da falta de obediência”9 . Devemos gravar em nosso coração a máxima de São Francisco de Sales: “Tudo é seguro na obediência e tudo é suspeito fora dela10 .

Esta obediência implica três graus:

– Primeiro grau: acima de tudo, obediência de execução, que consiste em realizar a ordem mandada, mesmo sem submissão interna.

– Segundo grau: obediência de vontade, ou seja, a submissão interior, que acomoda a vontade do inferior a do superior sem dificuldade, com amor e valentia.

– Terceiro grau: obediência de juízo, pela qual se conforma o juízo interior com o do superior, rendendo também nossa inteligência, exceto o caso em que o contrário se manifeste com certeza evidente

Esta obediência é justamente o contrário, tanto da obediência “crítica”, que obedece em meio da murmuração e da queixa, e do “espírito de oposição”, que forma grupos ou bandos de oposição a respeito do que ordene o superior, como do servilismo e a obediência farisaica, que com mistura de covardia e hipocrisia, mostra uma vontade vencida mas não submissa, e inclusive pretendendo levar o superior àquilo que o súdito busca.

Além da dependência e submissão que estamos obrigados pelo Batismo a respeito do Pontífice Romano, obrigamo-nos, em virtude do voto de obediência, a obedecer-lhe por um novo título, como a nosso Superior Supremo, conforme ao cânon 590, Inc. 2: “Cada um de seus membros está obrigado a obedecer ao Sumo Pontífice, como a seu Superior Supremo, também em virtude do vínculo sagrado da obediência”. – Os membros estão sujeitos à potestade dos Bispos11 , aos quais têm que seguir com piedosa submissão e respeito no que se refere ao cuidado das almas, ao exercício público do culto divino e a outras obras de apostolado. No exercício do apostolado externo, os religiosos estão sujeitos também a seus Superiores próprios e devem permanecer fiéis à disciplina do Instituto; os Bispos não deixarão de urgir esta obrigação quando for o caso.

Ao dirigir as obras de apostolado dos religiosos, os Bispos diocesanos e os Superiores religiosos devem proceder de comum acordo12 .

Será sempre excepcional o mandar “baixo obediência” e só terá valor quando o Superior legítimo o faça por escrito ou diante de duas testemunhas. Considera-se que os Superiores mandam em virtude do voto ao empregar fórmulas como: “em virtude da Santa obediência”, “baixo preceito formal” ou outras semelhantes, ou quando na maneira de ordenar ou outras circunstâncias se manifesta claramente que esse é seu desejo.

  1. Cf. Fl 2,8.
  2. SANTO TOMÁS DE AQUINO, Super Ep. ad Hebraeos Lectura, V, 8, lectio II, nº 259, Ed. Marietti.
  3. Cf. CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, c. 60
  4. Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, S. Th., II-II, 186, 8.
  5. TOMÁS DE KEMPIS, Imitação de Cristo, L. I, cap. 9.
  6. Ibidem, L. III, cap. 13.
  7. São Luís Orione, Carta sobre a obediência aos religiosos da Pequena Obra da Divina Providência, Epifania de 1935, Cartas de Don Orione, Ed. Pío XII, Mar do Prata 1952.
  8. Cautelas 12, Segunda cautela contra o demônio.
  9. Regras ou constituições da Sociedade de São Francisco de Sales, VIII.
  10. Tratado do amor de Deus, VI, 13.
  11. Cf. CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, c. 305, 1.
  12. Cf. ibidem, c. 678.